Ele se agachou entre as pequenas pedras, desviando das medianas que ao forçar seus tornozelos o desequilibravam. Com as mãos em forma de concha arrecadou um tanto de água que com cuidado conduziu até seus lábios, sem evitar que um pouco do líquido se perdesse no caminho.
– Dizem que este é um rio de água doce – afirmou em tom eloquente- mas em verdade, poderão perceber, se não estiverem por demais persuadidos por essas palavras, que se trata de uma água que leva o gosto de sua boca, e nada mais. As fontes de água doce são desta forma chamadas em relação às outras, essas sim de águas salgadas. Acontece que as classificações e seus classificadores não se contentam na diferença em si e precisam de um outro que, mesmo sendo, por assim dizer, neutro, neste caso por suas ausência de gosto, passam a ser o seu oposto. E assim uma substância recebe uma qualidade que não tem, pois deste modo se faz necessário para dar sentido às demais coisas neste grande Classificatório.
Convicto de suas palavras, fitou as árvores rasteiras que se posicionavam logo a sua frente, onde as pequenas e médias pedras cediam espaço para as maiores. Atrás destas, outras árvores de porte mais elevado e acima, as primeiras estrelas à projetarem sua luz.
– Então, meus caros e minhas caras – seguiu João em sua fala- atentem para o que em vocês é de vocês e sempre de vocês, mesmo que de tantos outros. Percebam que a forma como se expressam as qualidades neste espaço ao qual egocêntricamente chamamos de “meu corpo” é tão única quanto são todas as outras reaparições destas mesmas matérias em outros espaços. Não se restrinjam em comparações entre si, mas se expandam no estudo de seu próprio corpo, hoje, ontem e amanhã.
Permanceu em silêncio por alguns instantes antes de seguir caminhando sozinho entre as pedras.
Alguém que não percebesse a matéria móvel sobre a qual ele transitava diria que seu andar em ziguezague era uma dança. Quem visse ali pedras entenderia o que há como desequilíbrios. O que vemos dita o que percebemos.
Na cidade João pede sobras de comida nos restaurantes e dinheiros aos transeuntes. É visto como um louco, pois contam que ele profere ensinamentos às árvores e às pedras. Ninguém nunca participou de nenhuma das suas cerimônias. De qualquer maneira, mesmo que ouvissem suas palavras não encontrariam ali nenhum conhecimento digno de atenção, pois quem professaria palavras às plantas e pedras senão um insano?
João repete sua cerimônia sempre ao sol se pôr, na beira do rio, enquanto as pessoas da cidade estão ocupadas em suas mais diversas edificações sagradas.