[retomada dos fatos]
Lembro exatamente do dia em que ela entrou na minha sala. Pontualmente às 7h30m. Usava um vestido longo azul, com detalhes em branco (pareciam pequenas estrelas, ou borboletas, talvez corujas, minha visão já não me permite notar detalhes tão minúsculos). Do pescoço pendia um colar feito de material trançado qualquer. Uma bolsa cinza escura, provavelmente de couro, combinando com os sapatos na mesma tonalidade. Já sentada na poltrona, em minha frente, repetiu o que havia dito por telefone. Mostra-me o celular, disse a ela. Ela o pôs sobre a mesa. Tive ganas de lhe perguntar porque diabos tanto esforço para descobrir o dono de um celular encontrado na rua. Ponderei, e não perguntei, pois se ela mudasse de ideia eu perderia o único caso que havia me contratado em um mês inteiro. É certo que não preciso de um caso, minha aposentadoria salva o mínimo necessário para sobreviver, e já não tenho mais secretária para pagar (desde que passei a fazer os agendamentos por whatsapp, eu mesmo respondo as parcas mensagens). O celular estava sem o chip (achei isso muito estranho, pois quem perde um celular sem o chip?). A agenda também estava apagada (hum… muito estranho). Só havia um único vídeo salvo nos arquivos (fora isso, e as marcas de desgastes nos botões mais utilizados, e pequenos arranhões aqui e ali, diria que o aparelho era novo). Assistimos ao vídeo juntos. Ela me disse que, após olhar várias vezes, não encontrou nenhuma pista que pudesse levar ao dono, ou dona, do aparelho (o que era evidente, caso contrário não teria procurado um detetive particular). Combinamos o valor e a forma do pagamento. Na saída, lhe disse que o celular precisaria ficar comigo (ela insistia para que ficasse apenas com o vídeo). Depois que a porta se fechou, o assisti mais uma vez.
E dois meses se passaram desde então.