Especialmente teu, contigo, através de ti. Agora mesmo.
Imagine uma coisa absolutamente real, na qual tudo está onde deveria estar e é o que deveria ser, sem destaque nem hesitação. É uma coisa normal, esperada, não expectada. Aí, curiosamente, tens o ambiente propício para um unoego, pois a coisa esperada é sempre, por sua vez, a coisa que te espera.
Nela, agora, tens que meter alguma coisa fora de lugar. Mas cuidado, não se trata de contradizer a realidade! O unoego surge do paradoxo, não da afronta. A sutileza é frequentemente o melhor método – isto é, metaforicamente falando, trabalhamos mais com a pinça do que com a marreta, embora a última deva estar guardada para uma eventual ocasião oportuna… mas tens que meter ali na coisa, dizíamos, uma coisa fora de lugar. Algo que, por não ser contrário, não afirma nem nega nada, porém interroga. Às vezes, essa coisa dentro da coisa pode ser somente um aguçamento da própria coisa, como uma realidade real demais. Tu, de certa forma, aporrinhas a realidade da coisa: apertas demais os seus parafusos, até o ponto em que nasce a pergunta, ou deliberadamente esqueces ali alguma coisa indevida, ou incutes uma coisa que, na real, vem de outra realidade.
Pronto, eis o unoego começado. O fato de vir da pergunta (“devir”, diríamos, se fôssemos filósofos) é o combustível que o mantém aberto. Mas a vocação do unoego, claro, é propriamente alargar a ferida. À pergunta, tu respondes com uma outra pergunta e assim por diante, como se metesses a mão nessa fissura da realidade e fosses cavocando o vácuo do seu invólucro, até descobrir, na vacuidade, uma outra realidade e, nessa outra realidade, uma outra fissura. Essa feitura é a essência do unoego, e por isso o caracterizamos como produto processual.
Um unoego, assim, é muitíssimo mais do que o non-sense: ele é o sentido do non-sense, ou, mais precisamente, o non-sense sentindo-se sem se nomear. Para fazê-lo, você precisa creditar à fissura, que na realidade você mesmo criou, a faísca de uma combustão alucinada. Um unoego começa como ficção da realidade, mas sua continuidade sempre se dá como ação in ad vertida sobre o mundo, como coisas correntes. Enfim, como realidade da ficção. É fazer para crer para, então, vi-ver, e pode sempre começar ou ter acontecido agora mesmo.