– Oi João, sobrou um pouco de comida lá no restaurante, trouxe pra ti.
– Muito obrigado Catarina!
– Disponha. Ontem guardei um pouco também, mas não quis te interromper. Vim agora que vi que você parou. Enfim, voltarei pra fechar o restaurante, bom almoço pra você.
– Agradeço mais uma vez a generosidade. Que tenha uma ótima tarde.
– Um gole, tem certeza que não quer?
– Bom meu amigo, João, como já me apresentou Catarina, esse é meu nome, e agradeço sua oferta, mas hoje não bebo. Quanto ao exercício que você pôde presenciar, trata-se apenas disso, um exercício.
– Legal, gostei, senti que o poste tinha uma importância para você.
– Sim, mas é apenas um poste.
– Um importante poste.
– O que você acha?
– Enquanto te observava, deu vontade de correr junto, mas acho que não conseguiria.
– Qual sua idade?
– 63.
– Bom, já tenho 59, não estamos tão distantes assim.
– É, mas os joelhos tem sua própria idade. Os meus são rígidos como uma velha pedra.
– Sabe o que dizem dos joelhos, não? Que precisam ser flexíveis, para que possam tocar a terra como parte de sua mobilidade, que isso evitaria quedas desesperadas.
– Se meus problemas fossem somente os joelhos…
– Não entendi.
– A maldita, tô na rua por causa dela.
– Ah, sim, compreendo. Sabe que o maldizer tira das coisas um certo valor. Me parece que há algo de bom neste mal da bebida.
– É fácil dizer pra quem pode negar um gole.
– Bom, talvez seja esse o ponto: parar antes do último gole, ou, as vezes, antes do primeiro. Mas é evidente que eu bebo também.
– Só que me afastei da minha família por causa da bebida. Possuo um mau caráter.
– O mal é maldito. Deveríamos dizê-lo diferente. Me refiro ao fato de que há no mal, no caso na bebida, algo que nos afasta dessa dimensão de nós mesmo, do caráter. Esse mal que nos torna um inútil socialmente, tem um outro tipo de utilidade.
– Não vejo assim.
– Entendo. Mas veja que é por isso que passei esse tempo todo vendo o poste. É preciso ver com atenção, por múltiplas perspectivas, e até o esgotamento, para poder rever. Mas claro que só vejo isso agora. Quando comecei a mirar o poste, era simplesmente porque isso me pareceu o mais sensato a fazer.
– Você só pode fazer isso porque tem tempo. Dizem que é rico quem tem tempo. E nós, aqui, na rua…
– É, desconfio que seja sempre uma questão de tempo. De tempo, sempre.