Absorvidos em seus pensamentos nem perceberam que numa das tantas calçadas morava alguém. “Jovens sendo jovens, lutando em seus mundos, ainda não sabem que não há fundo”, rabiscou no canto de um velho jornal, depois, seguiu a olhar o que passava. Fitou um poste e decidiu que passaria a noite a olhar este poste, e tão somente ele. Depois de algumas horas, e de ter resistido a vontade de desviar o foco, decidiu mover a cabeça do lento ao rápido. Esse exercício lhe deu a sensação de que o poste se movia alguns centímetros à direita e à esquerda. Levantou-se e começou a correr no seu entorno. A cada vez que a tontura ameaçava lhe derrubar, mudava o sentido. Quando a respiração começou a dar sinal de sua incapacidade pulmonar, e a dor nos tornozelos parecia insuportável, decidiu correr em apenas uma direção enquanto possível. Quanto mais girava, mais sentia que uma queda estava próxima e, quanto mais eminente era o tombo, mais parecia ter forças para correr. Tudo o que estava fora do poste já não passava de manchas que não paravam de ficar para trás. Nem o sol forte do meio dia, nem a desidratação, nem a tontura, já amenizada com tempo, foram suficientes para parar sua corrida. Não podia perceber, mas os trabalhadores da rua Independência olhavam incrédulos sua corrida interminável. Fizeram um sistema de apostas sobre a hora do fim da corrida. De repente, não mais que de repente, simplesmente parou. Em pé, no limite da calçada, junto ao meio fio, ele, e o poste. Parecia não sentir seu corpo, e o mundo todo não era se não uma mescla de cores segmentadas. A única forma era o poste, a única existência era o poste. E assim ele ficou mais algumas horas, até que tudo perdeu o sentido. Voltou a se sentar sob a marquise.
– Sabe, estive te vendo, deve ter umas duas ou três horas. Pela manhã, quando passei por aqui, você corria. Agora de tarde decidi sentar e esperar você terminal o ritual.
– Ritual?
– Sim, o ritual. A propósito, meu nome é Antônio. Quer um gole?